Escrito por Anna Hirsch Burg - Psicanalista
Fonte: Divulgação.
Branca de Neve, Cinderela e a Bela Adormecida nunca traíram nem tampouco foram traídas por seus príncipes encantados. Os contos de fada nos levam a acreditar que o casamento é a garantia da eterna completude, a segurança incondicional acima dos desgastes e armadilhas inerentes ao relacionamento amoroso.
Os personagens de contos de fada jamais passaram por aflições como as que escuto no consultório quando alguém descobre que foi traído(a). O relato, independentemente do gênero, passa pela ideia insuportável de pensar o parceiro feliz nos braços de outra pessoa. É comum sentir a boca seca, falta de raciocínio lógico, angústia inominável e a sensação de que não pode ser verdade.
"Há sempre uma possibilidade da pessoa se reposicionar na relação com o outro, extraindo dessa experiência uma convivência mais sadia, menos conturbada, sem perder de vista também que não existe relação sem conflitos."
Não raras vezes, os pacientes relatam a sensação de que ao perder o ser amado o que se perde não é apenas o outro, mas a si mesmo. A perplexidade em constatar que ao invés de serem dominados pelo ódio o que sentem é um amor ainda maior pelo parceiro. Mais insuportável do que saber da traição é a ideia de perder o amor do parceiro.
A infidelidade, desencadeadora de muitos conflitos e rupturas nas relações, é um dos fatores que leva as pessoas a buscar ajuda terapêutica com urgência. A dor de ser traído é, ao lado do luto, um dos maiores sofrimentos de que padece o ser humano, pois faz a inclusão de um terceiro no enredo do casal e inaugura a triste descoberta de que a pessoa amada é capaz de fazer com outra pessoa uma aliança da qual estamos excluídos.
Amor e sexo
A psicanálise coloca em evidência o fato de que há uma dissociação entre duas correntes, uma afetiva e outra sexual, levando muitas vezes uma pessoa a amar quem não deseja e a desejar quem não ama. Em nossa sociedade, estamos acostumados a pensar amor e desejo como sentimentos que coincidem, mas não necessariamente: é possível amar sem desejar e desejar sem amar. Constatamos na clínica que em muitos casos, o amor longe de fomentar o desejo, muitas vezes o inibe, ou seja, quanto mais se ama, menos se deseja.
Quem nunca passou pela experiência de no início do relacionamento, onde ainda não havia amor, dado que a construção do amor exige tempo, praticar um sexo quente e selvagem com o parceiro e ao longo do relacionamento, apesar do crescimento do amor o sexo se transformar em algo morno, mecânico e quase protocolar? Enfim, conservar o equilíbrio entre sexo e amor numa relação ao longo dos anos mostra-se como uma tarefa difícil.
A terapia, seja individual ou de casal, de algum modo pode lançar luz sobre algumas questões sombrias que afetam e perturbam o desenrolar dos relacionamentos. Há sempre uma possibilidade da pessoa se reposicionar na relação com o outro, extraindo dessa experiência uma convivência mais sadia, menos conturbada, sem perder de vista também que não existe relação sem conflitos. Não há como não sofrer frente aos desequilíbrios das relações, mas há como sofrer menos.
Enfim, o campo de exploração é fértil e complexo, mas com ajuda profissional pode-se levar o casal a se reencontrar caso haja desejo de continuidade na relação, lembrando que, em alguns casos, não adianta mudar de parceiro (a), já que o fio desencadeador dos conflitos está com a pessoa, exigindo ser falado e elaborado para que ele não se reproduza cegamente no interior das relações. A terapia pode oferecer saídas, ofertando a escuta analítica para que a pessoa possa reorganizar os seus conflitos pelas vias dos processos de ressignificação e elaboração.
Ser traído é uma das experiências mais dolorosas para o ser humano, pois não apenas a fidelidade fica perdida mas também a lealdade é posta em questão, não há como não se magoar profundamente. Como dizia W. Shakespeare: "A mágoa altera as estações e as horas de repouso, fazendo da noite dia e do dia noite".