Escrito por Anna Hirsch Burg - Psicanalista
"Aceitar peculiaridades do outro ajuda na conquista do amor duradouro".
Em "Soneto da fidelidade", Vinícius de Moraes formulou um dos mais conhecidos (e fortes) lemas dos relacionamentos contemporâneos: "Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure". Se me permitem a licença psicanalítica, já que a poética está nas ótimas mãos de Vinícius, os versos poderiam ser complementados, talvez a contragosto, com algo do tipo: "e quando apagar a chama, nos veremos lá no Fórum".
Mas, deixando de lado a ironia, vamos analisar a realidade que, diariamente, vejo no consultório: homens e mulheres se queixando da falta de parâmetros para se orientar em suas relações. Um dos conflitos conjugais mais comuns atualmente é aquele relacionado ao "direito à felicidade", que cada membro do casal exige do outro e da relação como se fosse um prêmio. Aí, pouco importa de que tipo formal de casal estamos falando - se casais de namorados, se casados ou se namorados morando juntos: todos parecem estar andando na corda bamba.
Sendo bem realista, nada disso é anormal. Afinal, como podemos nos sentir confiantes em nossa relação quando a mídia nos diz, o tempo todo, que o sexo precisa ser espetacular, que a paixão deve crescer no dia a dia, que a beleza e a magreza precisam ser radicais? E, claro, que é necessário muito dinheiro na conta, bom humor, inteligência etc.
Diante de tantas exigências, vemos homens e mulheres extremamente inseguros com relação a si mesmos e, como não poderia deixar de ser, diante do parceiro. Se retomarmos a cultura amorosa de algum tempo atrás, veremos que nem os homens e nem as mulheres tinham tantas dúvidas e opções em suas relações. Sim, eles casavam, tinham filhos, passavam horas diante da televisão e... Comiam! Enfim, os casais tinham uma natural tendência a se acomodar; comodismo que virou o grande vilão das relações contemporâneas.
Em décadas anteriores, desde que o homem fosse trabalhador, não tivesse vícios e respeitasse sua mulher, podia ser considerado um bom marido. A mulher que cuidasse bem dos filhos e fosse uma boa dona de casa era considerada uma boa mulher. Em resumo, não foi sempre assim, mas as nuances que compõem o universo dos casais são infinitas.
Há mulheres com grande penetração no mercado de trabalho e cada vez mais "modernas". Porém, o que podemos perceber é que, no fundo, há um grande desejo por parte dessas mulheres de ter filhos e um marido provedor.
Parece incrível, mas, para elas, homens provedores e sensíveis, capazes de ser românticos e entender profundamente o universo feminino são imprescindíveis. Sem esquecer, é claro, que esses homens contemporâneos devem saber (e estar dispostos) a discutir a relação. Um desejo feminino. Um projeto que as mulheres sonham, mas raramente encontram. Esse ideal masculino ainda gera queixas intermináveis por parte das mulheres em relação a seus companheiros, que obviamente não são perfeitos, mas reais e faltantes.
Os homens (reais) sentem-se aliviados por poder contar com a participação da mulher no orçamento doméstico, mas ao mesmo tempo ficam irritados quando ela chega em casa tarde ou tem que viajar a trabalho. Observamos que esse homem (de carne e osso) idealiza para si uma mulher que seja mais companheira, que se ocupe mais dele, da casa e dos filhos - como suas avós faziam, e talvez como suas mães costumavam fazer.
E fique entre nós: parece difícil acreditar, mas os homens têm na própria mãe uma aliada na busca de uma nora "Amélia". Mesmo as mães super "modernas" e bem-sucedidas profissionalmente desejam que, antes e prioritariamente, a mulher de seu filho cuide e cozinhe para ele, seu queridíssimo filho. Ou seja, a tradicional luta entre noras e sogras - quem diria?! - continua super atual.
Foram muitas mudanças no universo das relações amorosas, e as expectativas que homens e mulheres nutrem um pelo outro são contraditórias. O que todos querem é que, por meio da relação amorosa, o sentimento de solidão sentido neste mundo extremamente individualista, seja amenizado. Apesar de toda a modernidade, desejamos que o amor se eternize!
Em uma época em que tudo é tão veloz e descartável, nós, psicanalistas, sabemos que não se pode atribuir aos desencontros amorosos apenas os fatores externos. Acreditamos que quando uma pessoa está numa convivência com outro ser humano, fantasias muito arcaicas sobre si e sobre o outro se deflagram. Nas relações amorosas, mais do que em qualquer outra forma de relacionamento, entram em cena nossas fantasias infantis de amar e ser amado incondicionalmente. Fatores psíquicos infantis muitas vezes nos cegam e nos impedem de perceber que as garantias encontradas na relação primitiva com a mãe não se estendem ao parceiro amoroso. Afinal, quando sexo e amor entram em cena não há garantias e sim conquistas diárias.
Acredito que temos que aceitar que o outro é, literalmente, outro. Há uma parte de seu mundo interior que é inacessível; trata-se da vida psíquica de cada um de nós. Por mais que se deseje conhecer tudo, não é possível. E ponto.
Apesar de tudo, com alguma sorte, um amor pode ser, ainda hoje, um bem inestimável, quase um presente dos céus. Por via das dúvidas, enquanto a felicidade não chove do céu, é melhor olharmos para frente e para o lado, afinal, vai que...