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Anna Hirsch Burg

"Conversamos com terapeutas de casal para descobrir se Capitu traiu Bentinho"

Entrevista concedida à Girrana Rodrigues para o site Elástica e Brasil Post


Fonte: Divulgação.

Por opção ou para fazer uma prova no Ensino Médio, todo mundo já leu Dom Casmurro (1889) pelo menos uma vez na vida. Se não leu o livro, leu ao menos uma resenha. Há 130 anos, a dúvida da traição de Capitu assombra os amantes de livros e os curiosos.

Como Machado (1869 -1904), infelizmente, morreu e a Literatura ainda não tem respostas para esse enigma, recorremos a dois terapeutas de casais para descobrir se o romance é mesmo o Otelo Brasileiro.


O psicólogo e terapeuta Antônio Carlos Alves de Araújo não hesita em responder que existiu traição. “Bentinho era paranoico, mas na maioria das vezes, a paranoia tem um fundo de verdade.”

Segundo o psicólogo, existem três tipos de ciúmes: doentio, moderado e patológico. A paranoia faz parte do ciúme doentio, já que o ser não faz mal diretamente ao outro, mas acredita nas histórias que inventa.


Araújo explica que a paranoia é uma doença pouco estudada na psicologia. “A pessoa para de pensar em si mesma e pensa no que o outro faz” e acrescenta que Capitolina tinha características feministas mesmo dentro da sociedade do século 19. “Ela era mais mulher do que Bento era homem, não aceitaria se sujeitar.”

O terapeuta acrescenta que a paranoia é descrita com tamanha fidelidade na obra que o próprio Machado pode ter vivenciado essa situação. “Para mim o livro é auto-biográfico, ninguém fala com tamanha autoridade de ciúmes sem ter vivido algo parecido. Além disso, o autor é especialista em paranoia, assunto que ele também traz em O Alienista.”

A psicóloga Anna Hirsch Burg diz que só seria possível definir se existiu traição se fosse feito um exame de DNA, mas destaca que o protagonista é muito ciumento. Para ela, isso fica mais evidente no capítulo CXXIII, “Olhos de Ressaca”, quando Bento descreve o comportamento de Capitu no enterro de Escobar.


Segundo o ponto de vista psicanalítico, Anna explica que Bentinho não se via como alguém amado e era inseguro. “Usando dois termos do amor grego citados nos texto O Banquete de Platão, conseguimos entender o que acontece com Bento. Érastes é aquele que ama e Éromenus o amado. Bentinho se coloca desde o início de seu relacionamento como aquele que ama.”

A terapeuta também menciona que apesar do protagonista ter tudo para ser feliz – dinheiro, sucesso na carreira, uma bela mulher – sofria pelo “amor” que sentia. “Podemos dizer que Capitu era para Bentinho tanto objeto de desejo quanto objeto de angústia, sua vida amorosa tomou caminhos infrutíferos, melancólicos e solitários.”

Se esse caso tivesse acontecido hoje em dia, e o casal tivesse feito uma terapia, os psicólogos afirmam que a probabilidade de outro desfecho para a história seria bem grande. “Não existe uma maneira, uma fórmula generalizada de se trabalhar a questão de ciúmes na clínica, existe outra maneira de se posicionar frente ao sofrimento, ou seja, lá onde havia uma certeza, instalamos uma dúvida”, explicou Anna.

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