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  • Anna Hirsch Burg

Amores no Pasto

Escrito por Anna Hirsch Burg - Psicanalista

Fonte: Divulgação

“Como termina um amor? - O que? Termina? Em suma ninguém-exceto os outros-nunca sabe disso; uma espécie de inocência mascara o fim dessa coisa concebida, afirmada, vivida, como se fosse eterna.”

(Roland Barthes).

Quantos “seres urbanos” com menos de 20,30 ou ate 40 anos viram de perto, ao vivo e a cores uma vaca no pasto?

Desconhecem o calor, a textura, e toda atmosfera de cheiros e cores que envolvem um simples copo de leite recém-tirado da vaca, sem pasteurização. Pois é, esse liquida branco sem selo da ANVISA, que não nasceu numa caixinha, mata?

Será que o mesmo desconhecimento se dá em relação ao que os mais velhos chamam de Amor? Quando falamos em “coração partido” na contemporaneidade, estamos falando do mesmo sentimento que assombrava o “coração partido” das moças do século XIX ou da época “pré- pasteurização”? Nesse tempo não existia shopping e cartão de credito para “aliviar a dor”, nem a promessa milagrosa de uma nova dieta que irá reconquistar o rapaz. A moça que passava o dia bordando sofria diferentemente da mocinha urbana ao perder um parceiro amoroso? O “coração partido” ainda existe?

Podemos dizer que houve mudança na natureza humana nas ultimas décadas e na maneira de amar?

Para Elisabeth Badinter “o outro só é desejado se enriquece nosso ser, se ao contrário, nos pede sacrifícios, é rejeitado de pronto”. Ainda segundo a mesma autora “Vivemos numa cultura narcísica, inibidora da experiência amorosa”. Hoje, prossegue a autora, “preferimos a solidão a tudo que julgamos entravar nossa liberdade, inclusive o amor”. Em consequência, renunciamos as paixões e preferimos relações mornas e tranquilas.

Já para Zygmunt Bauman, autor de Amor Liquido, a virtude do amor reside na delicada balança entre liberdade e responsabilidade. O amor moderno, ao tender para o descompromisso, parece romper o equilíbrio que o tornava moralmente justificável. O amor se tornou episódico e descompromissado com o futuro.

Psicanalistas, sociólogos, religiosos e filósofos falam sobre a descartabilidade presente nas relações amorosas contemporâneas. Apesar disso, tanto pela experiência, quanto pela escuta diária no consultório, fica evidente que perder um amor DOI! E muito! Sim, o termo “coração quebrado” expressa muito bem o que se sente, ainda na atualidade, quando perdemos alguém com quem namoramos, casamos, fomos amantes. Dói sim, bem no meio do peito. O ar falta. O chão desaba.

Existe alguma estação do ano que anestesie essa dor? No verão, quando o sol brilha num matiz azul bebe e o mundo parece brilhante demais, nãoooo. No outono e no inverno, quando a necessidade de aconchego e a vontade de tomar um vinho (a dois) aumentam, naninaoo! Na primavera, quando parece que todos estão no cio. Menos ainda! Não importa a estação, a vida parece absolutamente insuportável nas primeiras horas (a ficha ainda não caiu direito), no primeiro final de semana- imaginando o outro feliz e completo com uma loira alta e magra- nas primeiras semanas, e talvez por meses.

Acredito que aprendemos a racionalizar o amor, e fazemos isso bem. Aprendemos na atualidade a frear paixões por pessoas e a nos apaixonarmos por objetos, como por exemplo, um celular, um ipod e um computador, os quais permitem “relações mais protegidas”. .A vida pode ate ser mais tranquila e livre de dores quando não amamos. Porem, nada ainda substitui a felicidade com um parceiro que traz o alento do amor-paixão correspondido.

Como brilhantemente diz Rollan Barthes “não posso construir até o fim minha história de amor; sou o poeta (o recitante apenas do começo);o final dessa historia, assim como a minha proporia morte pertence aos outros;eles que escrevam o romance, narrativa exterior ,mítica”.

Acredito que amar é uma experiência ímpar. Muitas pessoas arrastam anos a fio relacionamentos infelizes como se fossem eternas. Quando essas relações acabam, (ufa) geram sentimentos ambivalentes, alívio e falta. Sim, somos seres em conflito e não nos exigamos respostas para questões inconscientes, que na melhor das hipóteses, só poderão ser clareadas num divã.

Por sua vez, quando se perde o parceiro de um relacionamento feliz, o vazio e a saudade tornam-se imensos, dilacerantes. O que resta? O fato de que a memoria e o amor são de propriedade inalienável de quem ama. Após um período- curto ou longo-pode ser transferido à outra pessoa. Estar vivo é isso, ganhar e perder, às vezes perder mais ainda e ganhar nada, cair, levantar, se achar! Achar alguém!

Estamos com medo de amar? Amar não é pasteurizado. Se vier com defeito não há como reclamar no PROCON. Não vem com selo da ANVISA. Talvez por isso o predominante na contemporaneidade seja a imensa ânsia em nos sentirmos amados. Amar é essencialmente querer ser amado?

Porque sou amado? Somos amados por algo que nunca imaginamos. Como diz a psicanalista Nadiá Ferreira” A impossibilidade de saber tudo instiga o desejo de saber cada vez mais sobre esse afeto que nos captura, que nos leva a cometer atos ridículos, e nos faz sentirmos ao mesmo tempo alegres e tristes.

Sentimento complexo esse, o tal amor, quando é bom não dura e quando dura já não entusiasma?

Para Jurandir Freire Costa” O amor é uma crença emocional e, como toda crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, melhorada, piorada ou abolida.”.

Acredito como diz Lacan que “Todo amor se sustenta numa certa relação entre dois saberes inconscientes”.

Finalizo com Freud “DEVEMOS AMAR PARA NÃO ADOECERMOS”.

Amar não é pasteurizado. Tenho esperança que seus germes proliferem.

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